Virar a página.
Novos futuros do complexo minero-industrial do Espadanal
Por José Manuel Brandão
Membro do Conselho Científico da EICEL1920
1. Recordar o encerramento de uma empresa desperta um misto de sentimentos confusos de nostalgia e perda das memórias do trabalho, com tudo o que tal possa significar no universo das suas múltiplas expressões sociais, económicas e tecnológicas. Contudo, na celebração desta efeméride ‒ 50 anos sobre o fecho da Empresa Industrial Carbonífera e Electrotécnica, Lda. ‒, marca-se também um virar de página nos destinos do património remanescente do antigo complexo minero-industrial do Espadanal, ao anunciar-se a constituição de um equipamento museológico com carácter permanente (embrião de um futuro museu mineiro), fruto da persistência de uma associação cívica de riomaiorenses, a EICEL 1920, com a cooperação do Poder Local: Câmara Municipal e Junta de Freguesia.
2. Se bem que não se afigure de momento, a possibilidade de uma descida à antiga mina subterrânea, escavada em rochas friáveis e sob condições hidrostáticas pouco favoráveis, abandonada há décadas, o edificado fabril erigido à superfície, constitui uma peça notável do património da arquitectura industrial dos anos cinquenta e uma marca identitária indelével da memória colectiva e do passado industrial de Rio Maior, merecedor de todos os esforços que visem a sua preservação. Um conjunto de prédios construídos à boca da mina, onde o betão armado imperou, seguindo um planeamento e risco consonantes com a cadeia operatória de valorização das lignites húmidas, arrancadas em profundidade pelo corpo de mineiros, ali transformadas em briquetes, a solução técnica escolhida para valorizar aquele carvão de qualidade inferior.
3. O destino de grande parte dos edifícios industriais em fim de vida útil, alienados que foram mobiliário, máquinas, ferramentas e outros bens móveis, é o abandono até à ruína. Um fim de ciclo que significa também, em regra, a perda irreparável da documentação da empresa, que permitiria redesenhar a sua historiografia e impactos territorial, social e ambiental, bem como a sua teia de relações com o exterior. Momentos que significam perdas irreversíveis de memória e património material, um fenómeno a que também não escapou a fábrica de briquetes do Couto Mineiro do Espadanal, que aguarda ainda a atribuição de um instrumento legal de protecção, que afaste de vez o espectro da sua paulatina degradação, e um projecto global de valorização que permita a sua readequação e reutilização sustentável, com fins culturais e/ou serviços, reintegrando-a, na vida activa da cidade.
4. A recuperação e reutilização deste antigo equipamento industrial com fins culturais, em apenas algumas das secções ou no seu todo, presume a definição de um criterioso modelo de investigação e de gestão do património (núcleo museológico, centro de interpretação, parque minero-industrial, museu mineiro), preparado à luz das boas práticas emanadas das cartas internacionais de património (UNESCO, ICOMOS, TICCIH, ICOM…). Um modelo reflexivo, transdisciplinar e participativo, articulado com outras políticas sectoriais regionais, nomeadamente no domínio do ambiente, do urbanismo, da educação, da cultura e do turismo, que reflicta, de forma transversal, a sua dimensão histórica, morfológica, social e simbólica, sem protagonismos de qualquer uma das vertentes disciplinares.
Noutro patamar, porventura menos imediato, não deverá descurar a possibilidade de trabalhar de forma colaborativa, em rede, com outras instituições culturais, a diversos níveis, local, regional, nacional, almejando algum tipo de participação em redes de museus mineiros do carvão (Eg. European Coal Mining Museums).
5. A musealização, ainda que parcial, do complexo mineiro industrial do Espadanal deverá pautar-se pelos princípios da museologia interventiva, acrescentando significado e valor ao património sob sua gestão; o discurso não deve centrar-se apenas na preservação e valorização do elementos técnicos (edificado e bens móveis) ora constituídos em objectos-memória, mas refletir o presente e projectar o futuro, no entendimento de que a participação da comunidade na construção das memórias deverá constituir o elemento que o diferenciará de uma intervenção tradicional.
Sem se alhear de todo um contexto social e económico a diferentes escalas, deverá procurar-se a criação de um espaço que combine de forma pedagógica e lúdica o espírito do lugar com a função de símbolo de identidade e veículo de desenvolvimento da comunidade riomaiorense; só assim se poderá constituir em verdadeiro acto cultural, isto é, numa fonte de conhecimento e experiências inter-geracionais e inter-populacionais.
José Manuel Brandão