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Património Industrial e Educação.

Experiências na Formação para a Ciência, o Património e a Cidadania (2)

 

 

                                        

                                        

 

 

 

 

O grande teorizador da interpretação patrimonial foi o americano Freeman Tilden, e os 6 princípios que ele definiu continuam a ser as bases deste campo. Destaco aqui 3 desses princípios: Primeiro, que a interpretação tem de conectar e relacionar aquilo que queremos mostrar a algo da própria natureza e experiência daqueles a quem queremos ensinar. Segundo, que a mera passagem de informação é estéril, pois “a interpretação é revelação baseada em informações”. Há que criar o momento ‘eureka’ no visitante, quando algo faz sentido, entusiasma, para que o conhecimento seja absorvido. Não apenas passar informações, mas fazer com que elas tenham significado e importância. E terceiro, que “o objetivo principal da interpretação não é a instrução, mas a provocação”. Nos dias de hoje, em que somos assaltados com informação em tantas plataformas, tantos ecrãs, ou em tantos cartazes na rua, a provocação é de facto cada vez mais um factor diferenciador e potencialmente activador das comunidades. Mas tem de ser uma provocação não só intelectual, mas também desafiadora dos sentidos, através da experimentação.

 

Sir Ken Robinson é talvez um dos mais influentes pensadores da educação da nossa geração. Faleceu este ano, o que me levou a reler algum do seu material, e a recuperar a ideia da importância da criatividade e da prática na educação. Ele dizia “não tratem as crianças como se fossem todas iguais nem as programem demais, elas descobrem seus talentos experimentando coisas”. Afinal, é esse o nosso primeiro trabalho, servir como mediadores para essas experiências.

 

Porque é então tão urgente partilhar experiências e significados? Porque em breves momentos se destrói aquilo que demorou anos a construir. A rápida e pouco planeada transformação das nossas cidades traz a incapacidade de lidar com os valores patrimoniais que não estejam à partida identificados como tal. Daí a importância de ferramentas de gestão territorial e protecção patrimonial, como a classificação. Mas no panorama nacional, o património industrial classificado é ainda residual e insuficiente. Daí precisarmos de estratégias claras de actuação, nomeadamente saber o que (ainda) temos, definir a sua importância (ou seja, avaliar os seus valores históricos, científicos, arquitectónicos, culturais, etc.) e então decidir onde devemos concentrar os limitados recursos humanos e económicos existentes. Uma estratégia proactiva e não reactiva, sendo esta a que infelizmente mais usamos actualmente.

 

As frágeis pegadas do percurso industrial das sociedades humanas, que estamos a perder aceleradamente desde finais do século XX, deviam ser valorizadas como conectores à nossa história. Aquela travessa ou caixa de música que nos ficou dos bisavós pode já não estar em muito bom estado ou ser muito bonita à luz dos cânones estéticos de hoje, mas o que a torna especial são as histórias que eles contam, a conexão às raízes familiares. Temos de olhar para além da argamassa e do tijolo, da ferrugem e do que já não está lá, e concentrar-nos nas histórias, na sabedoria incorporada dos lugares. É essa sabedoria e conhecimento o real valor e a grande dádiva das gerações que nos antecederam.

 

A arqueologia treina-nos para olhar para as marcas que a sociedades humanas deixam no mundo que as rodeia, seja o modo como se deslocam na paisagem, como habitam os edifícios ou como descartam os restos do jantar. Este modo de olhar para a maneira como cultura material e sociedade se constituem e afectam reciprocamente é uma das muitas lentes com que olhamos para o património industrial, daí a importância também aqui do engenheiro, do arquitecto, do historiador, do químico, do economista, etc, de tantas outras áreas de saber que nos permitem compreender a riqueza da experiência humana.

 

Cada um de nós tem uma maneira muito especial de contar histórias, e quem não gosta de ouvir uma boa história? Bem contada, uma história tem efeitos quase de magia e deixa marcas que depois se vêem nos comportamentos de quem as ouviu – inspira-nos a fazer as coisas de uma certa maneira, de uma maneira melhor, ajuda-nos a ver perspectivas que antes não conseguíamos ver. É por isso que no âmbito destas Jornadas Europeias do Património, em que falamos de património industrial e educação, desafio todos a que partilhem as suas histórias e apoiem a criação de mais saber - e assim de mais educação - sobre este importante património. 

Leonor Medeiros

Arqueóloga, MA em Gestão de Património pelo Ironbridge Institute (UoB, UK) e PhD em Arqueologia e Património Industrial (MTU, USA). Professora auxiliar na NOVA FCSH - Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa, investigadora integrada do CHAM - Centro de Humanidades, e presidente da direcção da APAI - Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial.

JEP 2020, Figura 2

Figura 2 - Perspectiva da sessão “Património Industrial e Educação”, Jornadas Europeias do Património 2020, na Biblioteca Municipal de Rio Maior, 26 de Setembro de 2020. © Arquivo EICEL1920.

JEP 2020, Figura 3

Figura 3 - Perspectiva da sessão “Património Industrial e Educação”, Jornadas Europeias do Património 2020, na Biblioteca Municipal de Rio Maior, 26 de Setembro de 2020. © Arquivo EICEL1920.

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