Património Industrial e Educação.
Experiências na Formação para a Ciência, o Património e a Cidadania
Por Leonor Medeiros
Presidente da Direcção da APAI
26.09.2020_Jornadas Europeias do Património_Rio Maior
Com agradecimentos à EICEL1920, especialmente à sua Direcção.
O tema proposto pelas Jornadas Europeias do Património de 2020 traz-nos esta feliz combinação entre dois temas que já era imperioso promover em conjunto: o património industrial e a educação. Falar destes dois importantes temas da sociedade de hoje, é também falar de ‘outros’ (menos tradicionais e menos reconhecidos) patrimónios, e falar da tão necessária educação patrimonial. Mas talvez o foco principal a ter, nesta visão de união entre o património industrial e a educação, seja falarmos daquilo que o património industrial nos ensina ou nos pode ensinar a todos. Numa perspectiva de partilha de experiências de vida, de experiências científicas e de conhecimento prático, e também da experiência de todos aqueles que, voluntariamente, no movimento associativo, partilham os esforços em nome da promoção do conhecimento, da salvaguarda e da divulgação do património industrial e dos seus saberes associados.
Mas não comecemos antes de reconhecermos que estamos a tratar com temas que apresentam alguma complexidade, logo no próprio entendimento do que é património, património industrial, ou educação. Aquilo que para uns é património, algo de valor que deve ser protegido e acarinhado, já outros não lhe dão qualquer valor nem deitam um segundo olhar. Em muitos sentidos isso acontece com o património industrial. As marcas da indústria que sobrevivem até hoje são comummente vistas como sujas, degradadas, perigosas e injustas. São os resultados naturais da passagem do tempo e de processos de transição e transformação da sociedade que implicam sempre conflito. Mas são também apenas uma parte da história do que foi a industrialização, no que tem sido o que podemos chamar uma educação incompleta, ou seja: há muitas outras histórias à espera de serem contadas.
Entender o processo de industrialização, iniciado pela Revolução Industrial, e os seus efeitos nas sociedades humanas e no ambiente construído e natural, é o propósito da disciplina de arqueologia industrial, sendo o património industrial os vestígios materiais e imateriais que desse período chave da história humana sobreviveram. (1) Alguns, mais distraídos, ainda pensam que apenas estudamos a indústria, a fábrica. Esse foco seria altamente redutor em termos de área de estudo, insuficiente para compreender a diversidade e riqueza da experiência humana, e confuso em termos de cronologia. Olhar para a industrialização, para o processo de transformação da sociedade que sucede o período moderno e que abre portas para a sociedade da informação em que nos encontramos hoje, é olhar para uma das épocas que mais mudanças trouxe ao modo de vida das comunidades. As mudanças no modo como nos deslocamos, como acedemos a serviços de saúde e os medicamentos que tomamos, a maneira como organizamos o nosso dia, o modo como obtemos bens de consumo, o ensino, o lazer, a ordem familiar, até o modo como fazemos guerra… tudo foi profundamente alterado com a revolução industrial do século XVIII e a industrialização que, de modos mais ou menos rápidos e de diferentes características consoante a geografia, avançou então por todo o mundo. As transformações ocorridas ao longo de finais do século XVIII e de todo o século XIX são ainda em grande medida desconhecidas, sendo necessários estudos em Portugal que falem mais desta vida quotidiana da sociedade industrial, que a liguem às dinâmicas de circulação e de aquisição de bens, bem como às bases da vida humana como a higiene, a educação, a espiritualidade ou o trabalho.
Aquilo para que não olhamos não pode ser estudado, e ignorar o património industrial, descartando-o sem o seu devido estudo e registo, é uma grande perda de experiências e do conhecimento humano. Se não o estudamos, não o podemos ensinar aos outros, e isso é um dos desafios do ensino em património industrial – há muito que ainda não sabemos. Daí que há que ensinar a apreciar, ensinar a que outros estejam abertos para o potencial destes lugares. A olhar para lá da superfície, e das histórias mais negras, para as histórias e vivências do dia a dia de pessoas como nós, mas em outras circunstâncias. Para que possamos aprender a partir dessas histórias e continuar a construir conhecimento ao longo de gerações.
Cada professor sabe que, por muito que nos esforcemos para tornar clara e acessível a informação, o desafio é fazê-la ganhar raízes e criar conexões com outras áreas de saber ou com os valores do próprio aluno. Todo o professor tem esperança de que, mesmo que estejam dormentes durante o curso, no momento certo essas sementes se revelem, cresçam e frutifiquem. Mas, mesmo com a esperança, tentamos aplicar estratégias para assegurar que isso acontece. É por isso que cada vez mais tenho vindo a incorporar, na minha aproximação à educação, os princípios de interpretação patrimonial que uso em gestão de património, na intervenção, divulgação e comunicação de sítios arqueológicos e de património cultural.
A interpretação, entendida como os modos de comunicação de informação a visitantes e utilizadores, no âmbito educacional ou recreativo, pode também ser entendida como mediação, a ponte entre o sítio, objecto ou tema, e o observador activo. Actualmente, a interpretação é tendencialmente investigativa, participativa, colaborativa, e capacitadora, ou seja, explora diferentes perspectivas e histórias, promove a participação de audiências diversas, colabora directamente com diferentes comunidades, e apoia a construção de capacidades e de novas aprendizagens na actualidade. Ou seja, não só dá novas ferramentas como tem uma abordagem dialógica na criação dessas ferramentas.