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(Opinião) Entre o sonho das Índias Negras e a realidade do minério pobre (6)

                                                    

 

 

                                    

 

 

 

O terceiro encontro de Rio Maior com a mina ainda está largamente por escrever. Trata-se de uma história de dimensão local, de redescoberta da memória colectiva, de investimento cultural que pode fazer com que o complexo mineiro ressurja como espaço museológico classificado, vivo, vivido e marcante para a cidade.

 

Para este encontro a força decisiva tem sido a associação EICEL- 1920 construída por antigos mineiros, académicos e estudiosos do assunto e outros cidadãos interessados. O seu discurso vai-se encontrando portanto nos documentos da associação e da autarquia, no estudo sistemático (já citado) iniciado por Nuno Rocha sobre este tema e nos jornais locais. No plano do escrito, é também sintomático que o “plano estratégico de desenvolvimento de Rio Maior”, estudo encomendado pela autarquia a uma empresa de Augusto Mateus especializada em “planos estratégicos” retome o projecto proposto pela associação EICEL -1920 alavancando-o como discurso e proposta de futuro. Mas é preciso termos consciência de que não é ainda tempo de encontrar aqui um documento-símbolo e de fechar uma análise sobre um processo em aberto, apenas de recensear algumas esperanças por si levantadas.

 

Sem se apresentar como uma Índia Negra, já não se prometem nesta história riquezas incontáveis escondidas no interior da terra. Há potencialidades, caminhos, dificuldades para reinventar a história do velho carvão pobre na história de uma nova riqueza imaterial. Da industrialização sempre imperfeita passamos ao tempo dos processos de desenterrar memórias e preservar espaços da Arqueologia Industrial, da imposição da salvaguarda do património e do desenvolvimento sustentável como imperativos consensuais (pelo menos discursivamente), da afirmação económica das ditas indústrias culturais.

 

Epílogo: O ouro negro, o fantasma do Padre Himalaya e Rio Maior

 

No auge da crise económica portuguesa que se seguiu à crise mundial de 2008 e num momento em que a austeridade se fazia sentir fortemente, quando governantes e promotores da hegemonia liberal manifestavam publicamente que o país tinha “vivido acima das suas potencialidades” e trocavam o desígnio perene do enriquecimento pela necessidade de “empobrecer”, voltaria a emergir a ideia de uma riqueza escondida nas entranhas da terra pronta para salvar o país.

 

Em Junho de 2011, o então subdirector-geral da Direcção Geral de Energia e Geologia afirmava (11) o potencial mineiro do país, sublinhando sobretudo a possibilidade de existência de petróleo. Sendo as Índias Negras definitivamente trocadas pelo ouro negro, Rio Maior é mencionada directamente neste reciclado sonho de riqueza. Só que este anúncio passou despercebido numa opinião pública mais preocupada com a severidade da crise, não tendo entusiasmado ninguém e, tivera sido só um anúncio de uma possibilidade, pareceria condenado a uma obscuridade futura: se já não se sonha o sonho negro do carvão por aqui também nunca se chegou a sonhar verdadeiramente o sonho negro do petróleo.

 

Em primeiro lugar, dada a perspectiva longínqua e toda a história de prospecções anteriores (em todo o país mas também em Rio Maior) (12).

 

A probabilidade de ser encontrado petróleo (de exploração rentável) especificamente em Rio Maior é percepcionada como sendo muito baixa.

 

Em segundo lugar, um historial de promessas de desenvolvimento económico baseado numa descoberta ou numa empresa única terá deixado um rasto de desconfiança face a este tipo de esperanças. A história da mina do Espadanal fará parte destas promessas de desenvolvimento incumprido ou interrompido mas também farão parte dele o progresso que viria da cidade do desporto, o que aterraria pelo aeroporto, o que chegaria à boleia do TGV ou o que sairia magicamente das chaminés de uma fábrica de cimento. Assim, a probabilidade de ser explorado petróleo em Rio Maior e isso corresponder a uma idade dourada económica para o conjunto da região é percepcionada como longínqua.

 

Em terceiro lugar, ainda que fosse encontrado petróleo, que fosse viável economicamente explorá-lo e que alguma da riqueza gerada fosse reinvestida localmente, a probabilidade disso não ter um efeito devastador no ambiente e nas economias locais, no turismo, na agricultura etc. é inexistente.

 

E é porque a afirmação do engenheiro da DGEG não foi mesmo um devaneio sobre uma possibilidade remota de sair de uma crise que parecia (parece) sem saída à vista que várias localidades estão a ser confrontadas com os resultados de um processo concreto de concessões de contratos de prospecção de petróleo (que se estende a grande parte do país, on-shore e off-shore). E estão a enfrentar a situação criando movimentos de cidadania que pretendem resistir, nomeadamente no Algarve e em Peniche, conscientes dos danos ambientais mas também ciosos do impacto disto nas suas economias locais. Se ao ouvir/ler o responsável por um departamento estatal falar do petróleo que nos salvaria da crise quase ninguém terá sonhado esse sonho do ouro negro, hoje bastantes se confrontam com o pesadelo destas concessões e prospecções.

 

Neste mesmo sentido, as associações ambientalistas argumentam que as próprias prospecções têm já efeitos nocivos localmente, que não foram feitos sequer estudos de impacto ambiental ou consultas públicas. Para além disto, sublinham não fazer sentido apostar numa fonte de energia que alimenta o aquecimento global que está a destruir o planeta (a breve prazo). E até mesmo enquanto “negócio” para o Estado, os contratos parecem ruinosos: se fosse encontrado nem o país teria qualquer direito de preferência ou condição vantajosa na compra deste petróleo e os privados recuperariam todo o seu investimento antes de “pagarem um só euro ao Estado como contrapartida da exploração.” (13)

 

Há cerca de um século, o Padre Himalaya procurava a riqueza sobretudo na agricultura, no que hoje se chama o desenvolvimento sustentável, nas energias renováveis e não poluentes. O que parecia então uma quimera de um inventor excêntrico é hoje uma necessidade. E o que pareceu ao longo de tanto tempo possibilidade palpável de enriquecimento individual, urgência nacional, sonho realista de uma região é hoje apenas memória e no lugar dela não devemos deixar surgir pesadelos. Talvez o fantasma do Padre Himalaya, com todas as suas contradições, nos ajude a cuidar da memória complexa do passado e nos inspire a mudar de paradigma de desenvolvimento.

Carlos Carujo

Figura 3 - Corpos sociais da EICEL1920. Em cima, da esquerda para a direita: António Moreira, José Neves, Paulo Santos e Marcelino Machado; em baixo, da esquerda para a direita: Jorge Mangorrinha, Nuno Rocha, Manuela Fialho e João Verde da Costa.

"Da industrialização sempre imperfeita passamos ao tempo dos processos de desenterrar memórias e preservar espaços da Arqueologia Industrial, da imposição da salvaguarda do património e do desenvolvimento sustentável como imperativos consensuais (pelo menos discursivamente), da afirmação das ditas indústrias culturais."

 

(13)

Uma síntese desta e de outras das críticas ambientalistas encontra-se num artigo de João Camargo publicado em:

http://www.sabado.pt/opiniao/detalhe/da_dinheiro_ter_petroleo_em_portugal.html

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