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Conservação e musealização do património mineiro (1)

 

 

                                        Por José Manuel Lopes Cordeiro

                                                Universidade do Minho e APPI/TICCIH Portugal

 

 

 

 

Cerca de 1854 foram encontrados, na mina de São Domingos, em Mértola, os primeiros vestígios materiais de uma antiga exploração mineira. Pouco depois surgiram notícias da descoberta de vários artefactos mineiros que remontavam ao período romano. Alguns dos artefactos encontrados durante os trabalhos de exploração da mina foram preservados pela empresa que então detinha a sua concessão e doados a instituições museológicas. Ainda no final do século XIX, a comunidade científica portuguesa avaliou a importância destes achados, tendo os artefactos descobertos sido apresentados na Exposição Internacional que inaugurou o Palácio de Cristal do Porto em 1865, e também publicados diversos trabalhos, nomeadamente na Revista de Obras Públicas e Minas, onde foi apresentado um desenho da reconstrução da roda recolhida nas minas de São Domingos.

 

A valorização do património mineiro registou nessa época um acontecimento significativo, com a apresentação em 1864, à Academia das Ciências de França, por Ernest Deligny a quem, seis anos antes, tinha sido dada a concessão da exploração da mina, uma Notícia sobre a origem de uma roda ou nora romana para o esgoto da água, datando do século V. O Musée des Arts et Métiers – que constitui o museu do Conservatoire des Arts et Métiers fundado em 1794 –, a instituição a quem Deligny ofereceu o fragmento da roda hidráulica elevatória, dedicou uma particular atenção a este artefacto, tendo-o recuperado e estudado, e ainda hoje se encontra exposto nas suas instalações.

 

Estas iniciativas marcaram, durante a segunda metade do século XIX, o despertar da preocupação pela conservação e estudo do património mineiro em Portugal. Desde então, com altos e baixos, esta actividade tem prosseguido, destacando-se a actividade que foi desenvolvida pela Direcção-Geral de Minas e Serviços Geológicos (1918-1993) e pelo Serviço de Fomento Mineiro (1939-1990).
 

Uma nova perspectiva para o património mineiro

 

 

O surgimento da arqueologia industrial, a partir da segunda metade do séc. XX, valorizando os locais de produção, veio conferir uma nova perspectiva ao património mineiro. Do mesmo modo, com a afirmação do conceito de património industrial, a partir de meados da década de 1960, o património mineiro – o património industrial das minas – adquiriu novas perspectivas de investigação, conhecendo também uma maior preocupação pela valorização das suas estruturas físicas. A partir de então, o interesse não repousava apenas na história da mina ou dos artefactos que eram encontrados, passando a valorizar-se o estudo, entre muitos outros aspectos, da evolução dos sistemas de exploração das minas, assim como das técnicas utilizadas para a extracção e transformação dos minérios, ou a transformação e a evolução das paisagens mineiras. O conceito museológico que acompanhou estas alterações passou igualmente a privilegiar a preservação e valorização das estruturas in situ, proporcionando uma nova relação com o património mineiro e contribuindo para a sua salvaguarda.

 

Os museus mineiros concebidos no âmbito do património industrial passaram também a desempenhar um papel significativo na divulgação das funções económicas, sociais, culturais e políticas das minas e da actividade mineira ao longo dos tempos, apresentando-as numa perspectiva histórica e patrimonial. Para além disso, regista-se um alargamento do público interessado no património mineiro, atraído pelas novas condições de valorização e apresentação que os novos museus mineiros apresentam, permitindo uma melhor e mais profunda apreensão dos seus aspectos essenciais, desde os tecnológicos aos sociais e culturais.

O impulso das instituições internacionais

 

 

No percurso que a conservação e valorização do património mineiro conheceu nas últimas décadas merecem referência as iniciativas realizadas por instituições internacionais como o Conselho da Europa e o Conselho Internacional de Monumentos e Sítios (ICOMOS).

 

No importante Colóquio “Os monumentos técnicos da mina, património cultural”, organizado pelo Conselho da Europa em 1988 no Deutsches Bergbau-Museum (Museu Alemão da Mineração) em Bochum, na então República Federal da Alemanha, para além da reafirmação do património mineiro como uma das componentes fundamentais do património cultural, foi aprovado um conjunto de recomendações, com grande significado para a sua salvaguarda, valorização e reconversão. Entre estas, pela sua importância e actualidade, destacamos a necessidade do “pleno reconhecimento do património mineiro no âmbito do património europeu, contemplando planos de auxílio financeiro a partir de fundos públicos e privados, incluindo facilidades fiscais”, assim como da “realização de uma campanha de sensibilização para o público em geral, através de programas educativos e informativos”. Já nesta altura o Conselho da Europa encorajava a promoção do aproveitamento turístico do património mineiro, recomendando, por último, que nos estudos a efectuar o mesmo fosse considerado na sua globalidade.

 

Também a UNESCO, através do ICOMOS, passou a prestar uma cada vez maior atenção ao património mineiro. Em 1978, a mina de sal de Wieliczka, na Polónia, passou a figurar na Lista do Património da Humanidade da UNESCO, o que, no respeitante ao património mineiro, ocorreu pela primeira vez na história daquele organismo. Contudo, esta classificação foi justificada pelo reconhecimento da importância da capela de Santa Cunegunda existente no interior daquela mina – e não tanto pelo reconhecimento do valor do património mineiro –, na qual é possível encontrar diversas esculturas feitas em sal, entre as quais se destaca uma estátua do papa João Paulo II.

 

No entanto, a partir dos finais do século XX, no seio do ICOMOS e da Lista do Património da Humanidade, a situação começou a alterar-se, com um cada vez maior reconhecimento da importância do património industrial – incluindo sítios mineiros em vários pontos do globo –, como o comprovam os numerosos sítios industriais que a partir de então passaram a ser incluídos naquela Lista, encontrando-se actualmente 25 sítios mineiros classificados como Património da Humanidade. Simultaneamente, a UNESCO passou também a considerar as "paisagens mineiras" ou as "regiões mineiras" como um todo.

Figura 1 - José Manuel Lopes Cordeiro durante a sessão científica do Encontro das Comunidades Mineiras de Portugal, realizado no âmbito das Comemorações do Centenário da Mina do Espadanal. Rio Maior, 23 de Julho de 2016. © Jornal Região de Rio Maior.

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