O Caminho-de-Ferro Mineiro de Rio Maior ao Vale de Santarém (17)
Entretanto, perante o abandono definitivo, a imprensa riomaiorense direccionara já a sua atenção para a possibilidade de transformação do ramal numa estrada alcatroada. Em Junho de 1969, o Jornal do Oeste, embora defendendo ainda que seria “grande medida económica entrar a linha em nova actividade, para carga e passageiros”, lança desde logo as bases da nova esperança: “Se porém as entidades competentes entenderem que os rails do ramal deverão ser arrancados, destruindo essa via férrea, essa artéria de circulação e comunicação, transformem a linha em estrada. Fica já portanto terraplanada, bastando maquedamização e alcatroamento” (130).
Logo após a suspensão da actividade mineira, o Jornal do Oeste assume em definitivo a defesa da transformação do ramal numa estrada alcatroada, declarando que “o país possuiria então mais uma boa estrada, e numa província de movimento como é o Ribatejo, o que seria de franco interesse nacional, pois, embora numerosas, nunca são demais as vias de comunicação, a olhar pelo enorme trânsito que nelas circula e os acidentes que nelas se registam” (131). A sugestão merecerá o aplauso de uma empresa de camionagem sedeada em Peniche, que destaca a importância para a região da transformação do traçado da via-férrea numa “estrada – via-rápida” (132) alternativa à sinuosa Estrada Nacional n.º 114.
Desmontar e reutilizar serão daqui em diante as palavras de ordem. Os materiais assentes na via passam a ser apontados como uma “ratoeira perigosa”. Segundo o Jornal do Oeste, em notícia de 14 de Dezembro de 1970, a persistência do ramal “apodrecendo ao longo de muitos quilómetros”, e em particular a manutenção das guardas da passagem de nível do Gato Preto, na vila de Rio Maior – “fortes baluartes metálicas apontando dentro da própria estrada” (133) – é então causa de vários acidentes de viação.
A ideia de transformação do traçado da via-férrea numa estrada de via-rápida, ou auto-estrada, será aprofundada em 1978, segundo Fernando Duarte, “em reunião no Governo Civil de Santarém, com técnicos do Ministério das obras Públicas e o Presidente da Junta Autónoma de Estradas, na presença dos Presidentes dos Municípios de todos os concelhos do distrito”. A obra a executar com apoio técnico e financeiro dos Estados Unidos da América, e que deveria beneficiar “dos mais modernos processos de construção”, teria já “estudos preliminares muito adiantados, executados em colaboração luso-americana” (134). Não seria, no entanto, implementada.
Durante a segunda metade da década de setenta foram desmontados todos os componentes amovíveis da via-férrea. Do traçado urbano da via restam apenas fragmentos, transformados em novos arruamentos. Ao longo do percurso rural entre Rio Maior e o Vale de Santarém persistem ainda, entre outras evidências patrimoniais, uma ponte com 12,05 m de vão, quatro pontões com vãos entre os 3,5 m e os 6,5 m (figura 8), quatro aquedutos, muros de suporte com uma extensão de 230 m e altura de 15 m (figura 9), e uma plataforma de carregamento, com 90 m de extensão, em zona de duplicação de via para cruzamento de composições. O antigo cais (figura 7) foi adaptado e reutilizado pela Câmara Municipal de Rio Maior como pavilhão da Feira de Setembro até à sua demolição, em 2001, para edificação do actual Pavilhão Multiusos Municipal.
Uma das peças mais significativas do material circulante da antiga via-férrea mineira chegou aos nossos dias. Trata-se da locomotiva a vapor CP 135 (figura 10), fabricada na Alemanha em 1881 pela Saschsische Machinenfabrik, e uma das primeiras a circular em Portugal nas Linhas do Norte, do Leste e da Beira Baixa. A partir de 1945, esta já então vetusta locomotiva foi utilizada no ramal mineiro de Rio Maior e na Estação do Setil, até ser retirada de serviço em 1967. Após permanecer durante cerca de duas décadas no Largo da Estação no Entroncamento, foi restaurada, em 2005, pelo Museu Nacional Ferroviário, onde pode ser visitada em exposição permanente.